Sentir é um luxo, e o silêncio, uma dádiva. É preciso silêncio para conseguir escutar. Isso pode parecer extremamente redundante, mas depois de tirar duas semanas de férias desconectada dos ruídos do dia a dia, essa frase me parece perfeita.
Pra quem não me conhece, meu nome é Luiza Adas. Sempre penso em maneiras de me apresentar sem falar do que faço como profissão, mas a verdade é que isso me parece impossível, considerando que sou paulista e apaixonada por arte. Sim, a arte é minha paixão e meu trabalho. Desde que comecei a trabalhar, entendi que era a partir dela que encheria meu coração e minha barriga.
Crio conteúdos e projetos de arte, buscando aproximar as pessoas à esse universo de forma acolhedora e crítica, a partir de vídeos, textos e experiências. Hoje faço isso de forma independente e não poderia ser mais realizada pelas conexões que a arte me traz com períodos, artistas, pessoas e, sobretudo, comigo mesma. E é justamente por conta desse contexto todo, que às vezes entendo o silêncio como um ritual precioso para meu trabalho e minha vida.
A arte exige tempo. Exige presença. Exige escutar mais do que falar.
Na era da comunicação exacerbada, em que todos queremos ouvir e sermos ouvidos, sobra pouco espaço para o verdadeiro sentir. São tantos estímulos, tantas informações, que sentir se tornou quase um luxo. Talvez seja justamente por isso que a arte se torna ainda mais valiosa em nossos dias. Mas, então, por que ainda a mantemos à distância? Por que museus e galerias não fazem parte do nosso cotidiano, como assistir a um filme ou a uma série?
“Nem adianta eu ir a museus, porque não entendo nada”.
“Isso até meu filho poderia ter feito”.
“Não sou inteligente o suficiente para entender arte contemporânea”.
São incontáveis as vezes que já ouvi frases como essas. E todas as vezes que as escuto penso: será que o exercício de interagir com a arte precisa ser tão pesado? Será que precisamos entender tudo? Ou será que a arte é, justamente, um território fértil para que possamos ver surgir nossas dúvidas e contradições? Gostos e desgostos?
A arte não se oferece apenas como resposta, mas sim (e talvez principalmente) como pergunta. E se, em vez de buscarmos explicações imediatas, nos permitíssemos apenas estar diante da obra? O exercício de olhar com calma, sem a pressa de concluir, não me parece apenas uma ação preciosa para a arte, mas sim para as mais diversas situações das nossas vidas.
Muitas vezes, quando algo nos incomoda, tentamos abafar esse sentir com distrações. Abrimos as redes sociais, assistimos a algo, buscamos qualquer anestesia para calar o desconforto. Tiramos o estranhamento de cena, como se fosse um inimigo, quando na verdade ele pode ser um convite. Ao não escutarmos o que sentimos, sufocamos nossa intuição (essa ferramenta tão essencial de percepção e orientação). E, ao silenciar repetidamente esse chamado interno, acabamos acumulando angústias que, cedo ou tarde, se transformam em fardos ainda maiores.
A arte é quase como um espelho mágico
A arte tem a nos ensinar na medida em que não se afasta da vida. Pelo contrário: para mim, a arte é quase como um espelho mágico, que nos permite, através de um olhar mais lúdico, enxergar a realidade sob outra ótica. E talvez por isso o exercício de apreciar o vazio e o silêncio seja um ritual tão precioso. É nesse esvaziar-se que abrimos espaço para sentir de verdade — sem pressa, sem ruídos, sem a necessidade de traduzir tudo em palavras. Quando nos permitimos esse vazio, a arte deixa de ser apenas imagem ou objeto: ela se torna experiência, sabor, presença. Só assim conseguimos realmente curtir nos deixar atravessar por aquilo que a arte desperta em nós.
Desconforto é uma palavra que encontramos facilmente no dicionário da arte. Ao ver uma obra que nos incomoda, logo já queremos passar para a próxima. Na vida acontece o mesmo: nas mínimas diferenças com alguém, já nos isolamos, passamos para o próximo, rolamos o feed. Acontece que ignorar as diferenças, ignorar os desconfortos, é ignorar a nossa humanidade. Por mais que os algoritmos insistam em nos oferecer apenas aquilo que gostamos, mesmo em nossa existência, iremos nos deparar com contradições, imperfeições, que precisam ser encaradas com coragem.
Interagir com arte não é apenas sobre gostar ou não de algo. Não é só sobre se sentir abraçado por cores e pinceladas. Interagir com a arte é também exercitar a escuta interior, é aprender a ver no desconforto — assim como no acolhimento — um convite para nos conhecermos melhor. Mas isso só se torna possível com tempo, silêncio e vazio. Permita-se, então, saborear seus vazios, para que deles possa nascer o que há de mais humano em você.