Na coluna anterior, falamos sobre como o corpo guarda o que a mente não consegue processar. Mas tão importante quanto escutar o que está preso no corpo é entender que é a partir do corpo que podemos reescrever a forma como sentimos, reagimos e pensamos.
O que antes era apenas uma ideia intuitiva, de que o corpo cura, hoje é um campo sólido de pesquisa: o movimento consciente tem o poder de transformar o cérebro, regular emoções e criar novos padrões internos de comportamento e percepção.
Neuroplasticidade: a capacidade do cérebro de mudar ao longo da vida
Essa capacidade do cérebro de mudar ao longo da vida tem nome: neuroplasticidade. A cada respiração atenta, a cada postura sustentada com consciência, novas sinapses são ativadas. É como se o sistema nervoso aprendesse novas rotas internas: ao invés de reagir, respirar; ao invés de colapsar, sustentar. No yoga, o corpo não apenas se move — ele ensina. O corpo pratica primeiro.
A mente aprende depois.
Esse processo envolve a ativação de áreas do cérebro ligadas ao sistema sensório-motor, à regulação emocional e ao sistema de recompensa. Quando você pratica com prazer, intenção e permanência, o cérebro libera dopamina, reforçando o aprendizado e associando aquele estado de presença a algo seguro e satisfatório. É por isso que, com o tempo, o corpo começa a desejar aquele estado. O que era esforço vira gosto. O que era desafio vira desejo. É assim que a prática reconfigura você.
Mas essa transformação vai além do cérebro físico. Na filosofia do yoga, cada movimento toca diferentes camadas da existência — os koshas: corpo físico, energia vital, mente, emoção e alma. Posturas que exigem força ativam o centro de poder pessoal (Manipura Chakra). Aberturas de quadril acessam emoções armazenadas (Svadhisthana). A permanência em silêncio em posturas restaurativas permite reorganizar o fluxo interno daquilo que antes se acumulava como tensão, dor ou evitação.
O yoga não é só sobre se alongar ou acalmar
O corpo se torna, então, o canal da mudança. Ele deixa de ser um repositório de traumas e se transforma em território de escolha. Você começa a escolher a forma como responde, como sente, como vive.
A prática com intenção (não qualquer repetição, mas a repetição consciente) é o que solidifica essa reprogramação. A cada dia, o corpo te ensina que dá para reagir diferente. Sentir diferente. Ser diferente.
Por isso, o yoga não é só sobre se alongar ou acalmar. É sobre reensinar o sistema a viver com leveza, clareza e verdade. E isso não acontece apenas na mente. Acontece nos músculos, na respiração, na pele, no ritmo dos seus passos e na forma como você ocupa seu corpo.
É ali que mora a sua liberdade.