Engolir o choro, sentir medo, ficar ansioso ou se irritar: essas são experiências universais e fazem parte da vida de qualquer pessoa. Ainda assim, muitas gerações cresceram ouvindo que o melhor era segurar as lágrimas e esconder sentimentos, como se isso fosse a maneira correta de lidar com as emoções. A expressão “engole o choro” ecoa na memória de quem já ouviu, seja em casa, na escola ou no trabalho. Mas será que esse hábito realmente protege?
De acordo com a psicóloga clínica do esporte e especialista em alta performance sustentável, Aline Wolff, esse tipo de comportamento pode trazer riscos para a saúde emocional e física. “Há tempos fomos ensinados que ‘engolir o choro’ e não demonstrar o que sente é sinônimo de resiliência e equilíbrio emocional. Mas isso não é verdade”, afirma. A ideia de que segurar as emoções fortalece, segundo a especialista, cria justamente o efeito contrário. “Compramos uma narrativa que apenas serve para nos tornar mais frágeis e distantes de nós mesmos, dos nossos desejos e necessidades. Precisamos passar a tratar nossos sentimentos com mais acolhimento e cuidado”, diz Wolff.
Na prática, essa supressão acontece quando alguém sente tristeza, raiva ou medo e, em vez de entender o que está acontecendo, prefere ignorar. “Isso acontece porque essa pessoa aprendeu que senti-las é ruim ou perigoso, pois fragiliza, desconecta e a torna indesejável socialmente”, explica.
Mas o problema é que esse acúmulo de emoções não some. Pelo contrário: tende a se transformar em angústia, tensão física, fadiga mental e sintomas de adoecimento. Não por acaso, o burnout deixou de ser um fenômeno apenas do ambiente corporativo e atinge também atletas de alta performance. “Um corpo que treina e compete o tempo todo sem descanso, quebra. O mesmo acontece com a mente. Se sempre nos cobramos para reprimir emoções, rotuladas como ruins, e nunca paramos para sentir, a mente vai ruir”, alerta a psicóloga.
A regulação como alternativa saudável
Se reprimir não é o caminho, qual é a saída? A resposta, segundo Wolff, está na regulação emocional e é importante não confundir os dois conceitos. “Supressão não é regulação. Regulação emocional parte de um princípio mais maduro: reconhecer o que se sente, dar nome às emoções, compreender o contexto que as gerou e, a partir daí, escolher a melhor forma de lidar”, afirma.
Essa habilidade pode transformar tanto o desempenho no esporte quanto a forma de agir no trabalho. Imagine um atleta prestes a competir em uma final olímpica. A ansiedade vai estar presente e faz sentido que esteja. “O atleta que aprendeu a regular vai entender o motivo da ansiedade estar ali, vai ‘dialogar’ com ela para que o comportamento dele seja de autocuidado e assim consiga se energizar e focar no que importa”, exemplifica a psicóloga.
No mundo corporativo, o raciocínio é parecido. Executivos que sabem reconhecer e lidar com sentimentos, como a raiva, conseguem usá-los a seu favor. “Um executivo que consegue se relacionar com a raiva, por exemplo, tem muito mais chance de tomar decisões assertivas, dar feedbacks eficazes, estabelecer limites e manter o ambiente de trabalho saudável”, aponta.
A visão de que as emoções são apenas um empecilho também já foi superada pela ciência. O neurocientista António Damásio, referência mundial nos estudos sobre o tema, mostra que elas são fundamentais para a tomada de decisões. “Não são obstáculos à racionalidade, são componentes essenciais do processo de tomada de decisão”, lembra Wolff. Ou seja: em vez de atrapalhar, as emoções são ferramentas importantes. A diferença está em como aprendemos a lidar com elas.
A saúde emocional precisa ser estruturada e pensada de forma coletiva
Se engolir o choro não funciona, regular as emoções exige prática. “Regulação se treina. E deve ser treinada”, reforça a psicóloga. Esse treinamento, no entanto, não deve se restringir a momentos pontuais ou individuais. Na visão de Wolff, é preciso construir um ambiente que valorize a expressão emocional tanto no esporte quanto nas empresas. “A saúde emocional precisa ser estruturada, sustentada e pensada de forma coletiva e contínua. Não se trata apenas de oferecer uma palestra motivacional ou uma roda de conversa pontual. É preciso criar uma cultura que acolha as emoções”, afirma.
A boa notícia é que algumas mudanças estão acontecendo, principalmente entre crianças. “Tenho observado, por exemplo, na área da educação infantil: educadores e especialistas incentivando pais a conversarem com as crianças para que aprendam a demonstrar e nomear seus sentimentos, desde a primeiríssima infância. E, com certeza, esse é um movimento muito importante para o futuro da saúde mental”, comemora.
Seja em quadras, escritórios ou salas de aula, a regulação emocional aponta um caminho de vida mais equilibrado. “A regulação emocional é uma das chaves para um novo modelo de alta performance: mais humana, mais sustentável, mais potente. E, acima de tudo, mais saudável”, conclui Aline Wolff. Em outras palavras: chorar, sentir e compartilhar emoções não é fraqueza. É um exercício de humanidade que pode nos tornar mais fortes não apesar do que sentimos, mas justamente por causa disso.