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Vivemos um tempo em que tudo parece precisar de um resultado, onde o descanso precisa gerar produtividade, o lazer precisa render conteúdo e até o silêncio precisa ser bonito. É difícil existir sem parecer que estamos devendo algo a alguém ou a nós mesmos. Eu defendo sim a produtividade, ela é necessária pra sobrevivermos, pra construirmos, pra nos sustentarmos, mas entre o produzir e o performar há uma linha tênue que tem nos afastado do cuidado real.

Uma das maiores armadilhas da produtividade moderna é o modo como transformamos o bem-estar em performance. A internet está cheia de práticas saudáveis que viraram disputa, e quando se fala de saúde mental, é comum vermos que, se alguém começa a correr, não basta correr, tem que fazer cinco quilômetros em dezessete minutos, postar o pace, mostrar o tênis certo, os gels, a constância impecável. O que começou como um gesto de cuidado se torna um palco de comparação.

Quando o cuidado se mistura à cobrança, a experiência deixa de ser sobre o corpo e passa a ser sobre a validação

E não é à toa que a corrida virou símbolo desse movimento. Estudos mostram que correr libera endorfina, serotonina e dopamina, substâncias que ajudam a regular o humor e reduzir sintomas de ansiedade e depressão. Correr é, de fato, terapêutico, mas quando o cuidado se mistura à cobrança, a experiência deixa de ser sobre o corpo e passa a ser sobre a validação, o prazer se transforma em meta e o autocuidado, em mais um item na lista de exigências.

E aqui é importante deixar claro: não se trata de criticar quem encontrou na corrida, ou em qualquer outra prática, uma forma de prazer e disciplina. A consistência, a superação e o comprometimento também fazem parte do bem-estar, o que me interessa observar são as armadilhas da comparação, quando o hobby que nasceu pra aliviar acaba gerando mais cobrança, quando o corpo que buscava liberdade passa a correr atrás de aprovação.

O cuidado não precisa ser admirável pra existir

A mesma lógica se repete em outras áreas, o tempo off precisa ser compartilhado, o skincare precisa ter dez passos, a meditação precisa ser diária e perfeita, o problema não está em cuidar de si, está em acreditar que o cuidado precisa ser admirável pra existir. Essa é a armadilha: transformar o autocuidado em uma nova forma de produtividade, e, quando não conseguimos cumprir o roteiro do “bem-estar”, sentimos culpa, como se falhar no cuidado fosse falhar em ser.

Mas o cuidado não é um projeto, é um verbo! Ele não depende de estética, constância ou curtidas, ele nasce da escuta das próprias necessidades. E essa escuta é silenciosa, íntima, muitas vezes invisível, cuidar é fechar o computador quinze minutos antes, é preparar a própria comida com calma, é desligar o som da notificação, é aceitar que hoje o corpo pediu pausa.

Do ponto de vista da fenomenologia existencial, cuidar é estar no mundo de forma consciente, reconhecendo o que te atravessa e o que te sustenta. É o movimento de se perceber em meio às demandas sem precisar se encaixar nelas o tempo todo, porque o cuidado é relação, com o corpo, com o tempo, com o mundo e com o que você sente, e ele só existe quando é vivido, não quando é exibido.

Quando o cuidado vira comparação

O perigo da performance do bem-estar é que ela adiciona mais uma camada de cobrança em uma sociedade que já exige demais, quando o cuidado vira comparação, a gente se distancia da própria experiência, e aos poucos, o que era pra aliviar começa a adoecer. A exaustão psíquica cresce, o corpo cobra e o sentir se perde no meio da pressa.

Por isso, é urgente lembrar: o cuidado pode, e deve, ser possível, ele precisa caber na vida real, com o tempo que se tem, com os recursos que se têm, com o corpo que se tem. Ele não precisa ser bonito pra ser verdadeiro, às vezes é só o suficiente pra hoje.

Cuidar é verbo, não performance, e quando o verbo se torna ação, o movimento volta a ser terapêutico, não porque resolve tudo, mas porque devolve presença ao que sentimos.

Com amor,
Sarah Aline.


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Foto de Sarah Aline

Sarah Aline

Colunista

Psicóloga, influenciadora digital e empresária, ganhou destaque nacional após sua participação em um dos maiores reality shows do país em 2023. Hoje, Sarah se dedica a democratizar a saúde mental, tornando...
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