Você provavelmente já sentiu dor de cabeça alguma vez na vida. Mas, para milhões de pessoas, a questão é mais do que um incômodo passageiro: trata-se da enxaqueca, uma condição neurológica que pode comprometer a saúde física e também o bem-estar emocional, o convívio social e a produtividade no trabalho.
Embora comum, a enxaqueca ainda é cercada de dúvidas e mitos. Afinal, por que ela acontece? Existe cura? E o que há de mais novo no tratamento? Conversamos com o Dr. João Eudes Magalhães, professor de neurologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco, para responder a essas e outras perguntas.
O que é, afinal, a enxaqueca?
Diferente da dor de cabeça comum, a enxaqueca é uma doença neurológica caracterizada por crises de dor intensa que podem durar horas ou até dias. Muitas vezes, vem acompanhada de sintomas como náuseas, vômitos, sensibilidade à luz, ao som e até aos cheiros.
“Pessoas com enxaqueca costumam ser mais ‘sensíveis’ aos estímulos externos, mas também às alterações internas do corpo. É muito comum que as crises estejam associadas ao estresse físico ou emocional, à ansiedade excessiva e a hábitos de vida pouco saudáveis, como alimentação irregular, jejuns não programados, falta ou excesso de sono e ganho de peso”, explica o professor.
Por que afeta mais as mulheres?
Segundo a Organização Mundial da Saúde, a enxaqueca está entre as doenças mais incapacitantes do mundo. No Brasil, o cenário não é diferente: dados da Sociedade Brasileira de Cefaleia apontam que cerca de 15% da população convive com o problema e as mulheres representam a maior parte desse grupo.
A explicação tem forte ligação com a vida hormonal feminina. “A enxaqueca acomete predominantemente pessoas jovens, especialmente adolescentes e adultos jovens, o que coincide com a idade produtiva. Nas mulheres, isso ainda se sobrepõe ao período reprodutivo, quando há variações hormonais ligadas ao ciclo menstrual. Por isso, é mais frequente as ocorrências de crises mais intensas antes e durante a menstruação ou perto da ovulação”, detalha Magalhães.
Durante a gravidez, a frequência das crises pode diminuir graças à estabilidade hormonal. “No entanto, o estresse tanto físico quanto emocional pode ser um fator desencadeante de mais crises nesse período, somado ainda à menor disponibilidade de tratamentos seguros para a gestante”, pontua. Já na menopausa, a tendência é que as dores fiquem menos intensas ou desapareçam.
Existe cura para a enxaqueca?
A enxaqueca tem origem genética, o que explica a recorrência de casos em famílias. Isso significa que não há cura definitiva, mas é possível controlar o quadro. “O foco do tratamento é controlar adequadamente os sintomas e evitar novas crises usando medidas preventivas”, comenta o especialista.
Esse controle envolve duas frentes: cuidar dos fatores de risco, como manter o sono regulado, praticar exercícios e reduzir o estresse, bem como recorrer a tratamentos médicos quando necessário.
Nos últimos anos, a medicina trouxe novidades importantes para quem sofre com enxaqueca. Além de medicamentos já conhecidos, como propranolol, topiramato e venlafaxina, surgiram terapias mais específicas. “Atualmente, o que temos de mais novo são os anticorpos monoclonais que atuam contra o CGRP, uma substância que aumenta muito no cérebro de quem tem enxaqueca”, explica Magalhães. “Esses medicamentos, chamados imunobiológicos, são aplicados por via subcutânea, geralmente uma vez por mês. Temos no Brasil o erenumabe, o galcanezumabe e o fremanezumabe. Embora tenham custo mais alto, apresentam melhores resultados do que os medicamentos orais usados diariamente”.
Outro tratamento disponível é a aplicação de toxina botulínica, indicada principalmente para pacientes com enxaqueca crônica. Em muitos casos, as opções podem ser combinadas, de acordo com o perfil de cada paciente.
Quando procurar ajuda?
Não é raro que a pessoa conviva por anos com a enxaqueca sem buscar orientação médica, acreditando se tratar apenas de uma dor de cabeça forte. Mas é fundamental reconhecer quando o problema começa a interferir na rotina.
“De forma geral, considera-se que a partir de pelo menos uma crise por semana, especialmente se for mais grave, é necessário procurar avaliação médica com um neurologista”, recomenda. Observar a intensidade, os sintomas associados e o impacto das crises na vida diária é essencial para garantir um tratamento mais assertivo.
Quem já passou por uma crise de enxaqueca sabe que ela não afeta apenas o corpo. Muitas vezes, gera frustração, ansiedade e sintomas depressivos. “Pacientes com crises intensas apresentam níveis elevados de ansiedade, o que piora ainda mais o quadro”, reforça o neurologista. Esse ciclo, em que a dor causa sofrimento emocional e o sofrimento emocional intensifica a dor, mostra como a enxaqueca precisa ser tratada de forma correta, levando em conta inclusive a saúde mental e o bem-estar.