Encontre no blog

Patrocinado

Me pego sozinha, em uma galeria, olhando para uma pintura. “Caramba”, penso, “que obra mais linda”. Minutos depois a artista entra na sala. Sim, a mesma que desenvolveu essa obra que me deixou boquiaberta. Ela para ao meu lado e observa a pintura em silêncio. Depois de uns 30 segundos fala “o que ninguém sabe é que essa mancha de tinta, no meio da tela, caiu enquanto eu estava indo atender o interfone de casa”, e dá uma simpática risada.

“Parte do meu processo é permitir que a vida invada o trabalho. E nesse ‘vai e vem da existência’, eu permito à obra ter vida própria. Pra mim, a beleza da arte está nisso: aceitar que ela aconteça. Se a arte é um reflexo da vida, é importante que nela deixemos transparecer nossos erros e acertos. O erro é parte do processo, na arte e na vida”.

Com isso só consigo pensar: se o erro é uma certeza da nossa existência, por que temos tanto medo de falhar? A resposta não é só psicológica, é cultural. Aprendemos desde cedo que o acerto é a moeda da validação: notas altas, elogios, recompensas. O oposto acontece com o erro. O erro aparece sempre travestido de fracasso, e o fracasso raramente é narrado com ternura.

Mas será que não é justamente o erro que nos permite crescer? Por que apagar o rascunho, usar a borracha, pintar de branco a tela manchada? É claro que esses recursos, por vezes, nos ajudam a nos aproximar daquilo que almejamos, mas será que o resultado final daquilo que criamos não poderia ser ainda mais interessante se resolvermos abraçar os elementos que refletem nosso processo?

A importância de aceitar os defeitos

Por isso, vejo a arte como uma ferramenta tão valiosa para contemplarmos as imperfeições da vida. Há tradições estéticas e filosóficas que já incorporaram essa ideia há muitos anos: o wabi-sabi japonês, por exemplo, celebra a beleza das coisas incompletas, impermanentes e imperfeitas. Nas bordas queimadas de uma cerâmica, no reparo com ouro de um objeto rachado, encontra-se uma narrativa de reparação que transforma dano em história.

Se a arte nos emociona, talvez seja porque ela carrega a marca de quem a fez, que engloba inclusive seus erros. Talvez o desafio não seja eliminar aquilo que vemos como defeitos, mas afinar nosso olhar para reconhecê-lo como companhia. Ao aceitar que falhar é condição de criação passamos a olhar para o que realmente importa: o processo.

Que saibamos errar. Errar com coragem, com beleza e, sobretudo, com a aceitação de que cada pincelada que sai de nós faz parte da nossa história. Sem defeitos não há arte, nem vida.


Compartilhe:

Patrocinado

autoria

Foto de Luiza Adas

Luiza Adas

Colunista

É comunicadora e pesquisadora de arte, formada em Relações Públicas e pós-graduada em Teoria e Crítica da História da Arte. Fundadora do perfil Museu do Agora, uma das maiores páginas de arte do Brasil,...
Patrocinado